terça-feira, 26 de agosto de 2008

Você acredita em pesquisa eleitoral?

Está ai uma pergunta que me intriga. Creio que intriga muita gente. Principalmente, quanto se trabalha com uma margem de erro de 4%. Até ontem eu não entendia como funcionava esse negócio de margem de erro. O candidato a prefeito pelo PSC, Eloy Gonçalves, que eu entrevistei no Opinião Cidade (TV da Cidade/Canal 16, de São José do Rio Preto) esclareceu minhas dúvidas. Segundo ele, quanto maior o número de pessoas pesquisadas menor é a margem de erro.
Ora, numa cidade como São José do Rio Preto, com cerca de 420 mil habitantes e 280 mil eleitores, para se ter uma pesquisa com uma margem de erro abaixo de 2% os institutos teriam que entrevistar acima de 1.000 eleitores. Com 4%, bastam uns 500...
É aí que reside o perigo e que os institutos nadam de braçada. Uma margem de erro de 4% na verdade, no frigir dos ovos (ou dos votos!) é de 8%. Pois, são 4% para cima e 4% para baixo. No universo eleitoral rio-pretense isso significa em média 22 mil votos. É muito voto! É muita margem de erro. É um perigo para todos, até para quem surge na liderança.
Aliás, essa margem de erro é de uma irresponsabilidade sem tamanho. Os institutos se escondem atrás da margem de erro para poderem errar. E erram sempre. Todavia, parece que a Justiça Eleitoral é cega, não enxerga essa discrepância que prejudica uns e favorece outros. Favorece quem aparece nos primeiros lugares e afunda quem está nos últimos. Ou, às vezes, ferra todos, porque os dados são irreais, sustentados numa enorme ponte de erro.
A mais intrigante de todas as perguntas surge quando o candidato aparece com 1% nas intenções de voto. Na verdade, ele pode estar com até 4%. Isso representa, no colégio eleitoral rio-pretense, nada menos que 11 mil votos, o que é um carro de votos. Mas, por outro lado, ele pode estar com 3% negativos e ai estaria simplesmente devendo por volta de 8,5 mil votos. Como é que um candidato pode ter intenção negativa de voto? Parodiando o grande poeta Vinicius de Moraes, eu digo “é, pesquisas são muito estranhas, muito estranhas”.
E tem muita gente que acredita em pesquisa. Você acredita?
Eu acredito até em gnomos e sacis. Aliás, eu tenho um amigo, o artista plástico Jocelino Soares, que cria sacis.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

A passagem da boiada

Era tarde e o sol descia atrás do horizonte, pras bandas de Álvares Florence. Minha avó, dona Chiquinha, e outras mulheres, catavam lenha na pastagem que margeava um resto de mata virgem da fazenda de Belisário Borges.
Estávamos numa velha estrada desbarrancada, já tomada pelo capinzal. Diziam os antigos que era um pedaço da antiga estrada do Taboado, abandonada depois da abertura da moderna Boiadeira, em 1915, com novo traçado, acompanhando de perto os varjões do São José dos Dourados.
Cosmorama surgiu no final dos anos 30, começo da década de 40, no caminho entre Tanabi e vila Monteiro (antiga Igapira, atual Álvares Florence), e foi palco de passagem de grandes boiadas com destino a Rio Preto e ao Frigorífico Anglo, em Barretos. Eram enormes comitivas que demandavam de Minas e Goiás.
Muitas lendas acompanhavam aquela velha estrada, em especial as façanhas dos peões em seus pousos e folgas. Uma delas, era a morte de Maria Loira, que ganhou fama no sertão como dona de casa de meretrício. Perto de uma pousada de peões sempre havia alguma mulher oferecendo um pouco de carinho para espantar o cansaço e a solidão da jornada.
Um peão apaixonado teria dado um tiro nas costas de Maria Loira quando ela saltava a janela na busca de se salvar da fúria do amor ferido, quiçá rejeitado! O fantasma dela, diziam os mais velhos, costumava vagar em certas noites sem lua nos primórdios da história cosmoramense e, na quaresma um galopar de um cavalo invisível podia ser ouvido nas ruas da cidade em altas horas. Era a atormentada alma do peão em busca do perdão de sua amada assassinada sem nunca lograr sucesso. Sua agonia era galopar na quaresma e a dela era vagar nas noites de breu.
Mas, naquela tarde, o que ouvi e vivi marcou para sempre minhas lembranças infantis. As mulheres preparavam seus feixes de galhos secos, bons de queima, quando uma delas avisou que vinha chegando uma boiada. Todas correram e passaram pela cerca de arame farpado para se proteger.
Não entendi nada, não vi nada, entretanto registrei o susto e o pavor que tomaram conta dos semblantes daquelas senhoras avós quando se escondiam atrás dos arbustos. Era coisa séria, pensei, tentando ver de onde vinha o gado.
Naquele instante senti o chão tremer sob meus pés, como se uma enorme manada de bois estivesse passando a um metro de nós, na estrada velha, em ritmo de estouro. Sem ver e ouvir nada, sentindo apenas o tremor do chão, atirei-me para a proteção da primeira moita.
Cada pessoa ouviu ou sentiu algo diferente. Minha avó contou que ouviu o estalo dos chicotes e os gritos dos ponteiros. Outra mulher ouviu os berrantes ecoando no meio do estouro, outra ouviu o mugido das reses e o latido dos cachorros, enquanto uma quarta disse ter ouvido os sinos da vaca madrinha...
Todavia, todas sentiram o chão tremer e chegaram a tapar o nariz por causa do cheiro da poeira levantada pelos cascos do gado e dos cavalos.
Passado o susto e o pavor, uma delas virou-se para minha avó e disse:
— Essa foi das grandes, né, comadre?
— É, foi. — respondeu dona Chiquinha, apertando seus olhos verdes enquanto ajeitava a rodilha de pano sobre a cabeça para carregar seu feixe de lenha; e fez-se o silêncio.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Frango com Guariroba

A idéia é de Luiz Carlos Mattos e o pessoal lá de Cosmorama, se for verdadeiramente empreendedor, pode transformar isso numa grande festa e colocar a cidade no roteiro turístico-gastronômico do Estado. Mattos sugere aos organizadores da quermesse de Santo Antonio que escolham um dia do ano (10 de outubro, dia da fundação da cidade) para fazer a Festa do Frango com Guariroba (que nós, caipiras, chamamos de gairóva, com acento agudo e tudo!). Aqui entre nós, sem nenhuma propaganda enganosa, não existe, em lugar nenhum do mundo, frango recheado com guariroba igual ao de Cosmorama.
Tem também o doce de leite em barra, branquinho e tenro que derrete na boca, aguçando as papilas gustativas dos paladares mais refinados. A receita original era do seo Osvaldo, que morava numa grande casa de pau-a-pique no caminho da Água Amarela. Diversas vezes fui ao sítio dele para comprar seus doces. O de leite era feito num grande tacho de folha-de-flandres sob a sombra de uma árvore frondosa (não me recordo se era um tamarineiro, uma figueira ou uma seringueira). Seo Osvaldo já partiu deste mundo, mas seu doce continua sendo fabricado, agora pelo Celso Bacani, que não deixou a peteca cair em termos de qualidade.
Um prefeito empreendedor (by Sebrae) transformaria Cosmorama na capital nacional do doce de leite. Incentivaria a formação de uma grande cooperativa de produtores de leite para fabricar o doce em grande escala, vendendo-o em todo o território nacional. Excelentes vendedores não faltam na cidade. Nem os caminhões para transportá-los. Gente com espírito vencedor também não falta.
Por falar em gente cosmoramense que empreende não posso esquecer de Valter Gardini e Vitório Tino (Vitinho). Quando moleque, lá pelos meus onze e doze anos, acompanhava meu pai nos serviços de carregar e descarregar tijolos para o Gardini. Ele começou assim, com uns caminhões mais antigos. Lembro-se especialmente de um. Penso que era um Chevrolet de cor bege. Fomos uma vez buscar tijolos pó-de-mico numa olaria em Aparecida do Taboado. Moleque metido a besta me senti importante conhecendo o Mato Grosso, então sem o Sul.
Mais tarde, na flor dos 17 anos, foi trabalhar com Vitinho e Mauro Baraldi na Distribuidora Genial. Foi o melhor emprego da minha vida. Andava viajando, partindo de Cosmorama para vários pontos do país. Ponta Porã, Miranda, Cáceres, Barra dos Bugres, Xinguara, Jacundá, Estreito, Araguaína, Conceição do Araguaia, Janaúba, Porteirinha, Guanambi, Coromandel...
Lembro-me da primeira vez que estive em Pedro Juan Caballero, no Paraguai. Imaginei na época: minha primeira viagem internacional. O tempo correu, as coisas mudaram, o homem inventou o computador, trouxe o celular, acabou-se a Guerra Fria, a União Soviética se esfacelou, o muro de Berlim caiu, Israel construiu seu próprio muro, Cosmorama ganhou três bairros novos, Stroessner desapareceu nas brumas do tempo... e minha viagem internacional continuou na primeira. Por isso eu gosto tanto de Pedro Juan Caballero. Pois é a única cidade estrangeira que eu conheço.
Coisas de um cosmoramense. Tão boas quanto o frango com recheio de farofa de guariroba, com sua carne tenra e macia e seu cheiro pra lá de peculiar. Nesse ano, os organizadores da festa de Santa Antonio erraram a mão acrescentando aquele frango assado seco e sem tempero. Para comer este tipo de assado não é preciso ir à festa, basta ir a qualquer boteco de esquina. O que diferencia a festa é o frango com guariroba. Perdendo essa referência gastronômica, a festa será somente religiosa e ponto de encontro de amigos que se vêem de ano em ano.
Luiz Carlos de Mattos é um homem cheio de idéias. Ele sonha também com a construção de um Arco do Triunfo, à moda parisiense, em São José do Rio Preto. Eu lhe disse já ficaria contente com a torre da Catedral de São José que nunca saiu do papel.